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A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 10)

| 30 janeiro 2016 | 5 comentários:

Estávamos sentados no breu da floresta. Eu havia ficado em pé, na estrada, durante vários minutos, até me cansar de esperar. Eles não sabiam quando alguém passaria, e se estaria desprovido de guardas o suficiente para um ataque, então voltei para junto dos outros, enquanto um dos homens ficaria de guarda, e me chamaria caso necessário.

Para passar o tempo, os homens revezavam entre si contando histórias. Parecia que nenhum deles havia crescido com alguém que lhe contasse algo assim antes de dormir, então todos estavam encantados com algumas fábulas que eu já tinha ouvido dezenas de vezes.

Todos ouviam atentamente a história do homem da vez, Rodrigo. Eu não estava prestando muita atenção. Era uma história ridícula de uma camponesa que havia fugido do castelo que ela trabalhava. Deixei minha mente vagar por um tempo, sem ouvir os rumos que a história tomaria, quando um trecho chamou minha atenção.

- Ela queria se vingar do soberano que a havia tratado como uma escrava, que achava que podia usá-la da forma que ele quisesse. Ela sabia que precisava de poder, um que nem um Rei teria como enfrentar. Foi quando ela encontrou uma amaldiçoada.

Todos prenderam a respiração. Minha atenção agora estava totalmente voltada para a sua história. Eu não perderia nenhuma palavra.

- A amaldiçoada lhe ofereceu esse poder, mas ela teria que abrir mão daquilo que fosse mais importante em sua vida.

Eu quase pude sentir meu coração perder um compasso. Eu não tinha mais pensado no que aquela mulher havia me dito, mas aquela situação era tão semelhante que eu não pude evitar de lembrar. Será que era possível? Como uma história tão parecida poderia ter surgido? Podia ser porque tivesse um fundo de verdade.

Talvez, para conseguir o poder da maldição, ou para se livrar dele, o preço fosse o mesmo.

- Ela aceitou a oferta e tomou o poder para si. Agora ela podia destruir todo um exército com um simples movimento. A camponesa mal podia esperar para finalmente ter a sua vingança, mas, o que ela não havia percebido, é que aquilo era a coisa mais importante da sua vida e essa foi a sua ruína. Não conseguindo realizar a sua vingança, ela foi capturada pelo seu antigo soberano e queimada na praça principal do Reino.

Ele terminou elevando a voz, um efeito para aumentar a dramaticidade. Olhou para todos, ansioso por uma reação.

- A história termina assim? – Perguntou um dos homens. – Sem nem um derramamento sem sangue, sem que a amaldiçoada destruísse metade do Reino?

Todos riram, achando graça da falta de emoção. Eu não conseguia nem rir. Olhei para minhas mãos, relembrando algumas palavras: “Agora ela podia destruir todo um exército com um simples movimento”. Será que isso seria possível? Eu era tão perigosa a ponto de destruir todo um exército? Por mais que não quisesse acreditar nisso, também não conseguia evitar de lembrar da quantidade de árvores que eu destruí, em meio a minha raiva.

- Está tudo bem? – Perguntou Alex ao meu lado, baixo para que os outros não ouvissem.

Um barulho perto da estrada fez com que eu pudesse escapar daquela resposta. Aquele era o sinal para quando eu tivesse que voltar. Alguma vítima estava a caminho e eu tinha um trabalho a fazer.


____________________________________________________________________________  

Nós chegamos tarde aquele dia. Alex tinha feito o jantar, dessa vez com a minha ajuda, ou com o pouco que eu tinha capacidade de ajudar. Depois ele se sentou em uma poltrona e eu fiquei no sofá, para nós conversarmos. Ele parecia estar muito cansado, tanto que dormiu sem nem perceber.

Pela primeira vez eu podia observá-lo sem nenhum impedimento. Alex era a única coisa realmente boa que tinha acontecido na minha vida depois que aquela mulher cruzou o meu caminho. Sua beleza ainda era impactante, mas, conhecer o homem atrás daquela capa, havia mudado meu modo de ver o mundo.

Durante toda a minha vida eu não me importei com a índole de ninguém, só com os meus desejos e as minhas necessidades. Conhecer alguém bom como Alex, só me faz pensar que eu nunca conheci alguém assim. Nem meus pais, Reis de todo esse lugar, conseguiriam ser tão benevolentes como esse homem dormindo calmamente. O sono dos justos, que só alguém que sabe que faz o que é certo poderia ter.

Algo que eu conhecia perfeitamente começou a aflorar dentro de mim. A necessidade de possuir algo que ainda não me pertencia. Antes, algo assim era facilmente resolvido, nada que algumas ordens não me dessem exatamente o que eu queira. Mas dessa vez não seria dessa forma.

Sempre imaginei como seria ser amada por um homem, um belo Príncipe que faria de mim sua Rainha. Toda a vida de luxo e riquezas que eu teria, com ainda mais liberdade, sem ser sempre vigiada por meus pais.

Agora, meu Príncipe havia se transformado em um ladrão que ajuda os mais necessitados, mas isso não importava. Eu o queria e, depois de tudo o que aconteceu, talvez eu ainda merecesse essa pequena recompensa, por tudo o que eu sofri.

Levantei de onde estava, sentindo meu corpo tremer de antecipação. Sentei no braço da sua poltrona, analisando seu rosto bem de perto. Seu cabelo balançava suavemente, assim como seu peito, em uma respiração calma e suave.

Sem tirar os olhos de seu rosto, levantei uma das mãos, para acariciá-lo. Minha mão tremia de tamanho nervosismo e eu mal podia acreditar que me sentia assim. Alex abriu os olhos e pareceu não compreender por um momento o que estava acontecendo, mas eu não perderia minha coragem.

Ele começou a sorrir sutilmente, até que minha mão finalmente tocou seu rosto. Como eu desejei fazer aquilo, mas não era o suficiente. Eu o teria beijado, como nenhuma donzela deve fazer com um homem, os dois sozinhos, em um lugar deserto, nada teria me parado, se um grito não tivesse perfurado a noite, me fazendo pular da poltrona e quase tampar os ouvidos para conter aquele som repleto de horror.

Foi tão alto e repentino que eu demorei alguns segundos para entender o que tinha acontecido. Olhei para todos os lados, procurando a causa daquele grito de pavor, quando ele estava bem a minha frente.

Alex não tinha se movimentado nem um milímetro. O choque estampava seu rosto. A sua mão cobria o lugar onde a minha tinha tocado. Uma pedra de gelo parecia ter tomado o lugar do meu coração, mas eu ainda tinha um fiapo de esperança que aquilo não era o que eu estava pensando.

Minha esperança se desvaneceu completamente, quando ele retirou a mão e uma trilha de sangue escorreu livremente.

(Continua na próxima semana)
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A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 9)

| 23 janeiro 2016 | 6 comentários:

A primeira coisa que me chamou a atenção foram as crianças. Elas eram as principais responsáveis pelo barulho que eu ouvi ao começar a descer a escadaria. Nós aparecemos em um largo salão, cercado por uma infinidade de portas. Era quase impossível de imaginar que algo daquele tamanho pudesse existir debaixo da terra.

Elas brincavam e se divertiam, sob a supervisão de alguns adultos. Suas roupas eram simples, mas bem cuidadas e ninguém ali parecia estar passando alguma necessidade. Olhei aquilo durante algum tempo, sem entender realmente o que estava acontecendo e Alex pareceu perceber minha expressão de dúvida.

- Nós aceitamos qualquer pessoa no abrigo, mas as crianças são a nossa prioridade. É claro que não temos como trazer todos os pobres para viverem aqui, mas crianças são sempre trazidas, nunca abandonadas. Elas são muito pequenas para se virarem sozinhas.

Eu quase não podia acreditar no que estava vendo. Então era naquilo que Alex e seus companheiros de assuntos ilícitos investiam todo o dinheiro dos roubos. Eles simplesmente tiravam pessoas pobres das ruas, principalmente crianças, e lhes davam um lar.

Quase ri por um instante, achando tudo aquilo ridículo, me lembrando de uma história que um dia minha mãe, ou alguma criada, deve ter me contado antes de dormir, mas o sorriso morreu em meus lábios, quando eu percebi que, se não fosse por Alex, eu não fazia ideia do que teria acontecido comigo.

Nunca dei valor a coisas pequenas em minha vida, coisas que sempre tive. Nunca senti fome, então era irônico pensar que um pão talvez tenha sido a melhor refeição que já tive em minha vida. Nunca dormi ao relento, e a cama que Alex me cedeu tão generosamente havia acolhido meu corpo cansado e me deixado repousar longe daquele pesadelo que havia se tornado minha vida.

Saber realmente como era não ter nada, trouxe um gosto amargo para a minha boca. Quantas vezes eu tinha passado, em carruagens luxuosas, cercada de guardas, com todo o conforto, por vilarejos ainda mais pobres do que aquele. Eu sentia nojo da imundice e da situação daquele povo. Só conseguia pensar no que outros Reinos pensariam em encontrar aquele tipo de gente vivendo no Reino de meu pai. Nunca parei para pensar, nem por um instante sequer, no que qualquer uma daquelas pessoas estaria sentindo.

Como deve ser viver sem um abrigo, sem comida, com apenas a esperança de ser encontrada por um benfeitor que te leve para um lugar seguro? Minha esperança nunca foi vir para esse lugar, um lugar que eu nem sabia que existia, mas meu sonho parece tão distante em meio a necessidades mais básicas. Necessidades de um povo que nasceu com tão menos que eu, e que sonha com tão menos também.

A necessidade de um povo que foi abandonado a sua própria sorte. E é esse pensamento que faz com que algo estale em minha mente. Abandonados por quem? Quem deveria cuidar desse povo? Do meu povo?

Um povo que me envergonhava por pertencer ao meu Reino, pela sua pobreza e miséria, agora me fazia pensar que eu talvez não merecesse tanto luxo, ou um vestido bonito, quando tudo o que aquelas pessoas precisavam era de um pedaço de pão.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto e eu sabia o motivo. Eu merecia ser amaldiçoada. Eu merecia que tudo aquilo estivesse acontecendo comigo. Eu passei 17 anos da minha vida vivendo no luxo e na riqueza, agora, algum ser superior achava que era hora de eu pagar a minha dívida, depois de tantos anos sendo uma princesa. Agora eu tinha que saber como era a vida real.

Levei um susto ao sentir uma mão gentil em meu rosto, enxugando aquela lágrima que tinha escorrido. Ao pensar em tudo o que tinha acontecido, esqueci por um segundo a presença de Alex ao meu lado.

- Eu sei o que você está sentindo. – Aquele sorriso benevolente poderia partir meu coração naquele momento. Eu não o merecia. – Todos se emocionam quando finalmente chegam aqui.

Ele pensava que eu também sonhava em chegar aquele lugar, mas meus sonhos eram um pouco mais grandiosos. Sonhos que se desvaneceram ao constatar que eu merecia o meu destino. Minhas lágrimas eram pela minha vida perdida e por um futuro desconhecido que se alastrava a minha frente.

Sequei meu rosto e tentei retribuir o seu sorriso.

- Você é uma boa pessoa, no fim das contas. Você seria um bom Rei para o seu povo, Alex.

- Nunca ninguém me disse algo assim. – Ele riu do meu comentário, apesar de ter parado para pensar a respeito. – Mas aquele castelo seria realmente um lugar muito melhor que esse abrigo. Tenho certeza que poderia abrigar a todos que ainda vivem nas ruas ali.

Sorrindo, ele adentrou mais aquele amplo espaço. A maioria das portas eram para quartos, com inúmeras camas em cada um. Também era possível encontrar salas, onde as crianças estudavam e um espaço para refeições. Segundo Alex, seria suspeito se todos aparecessem no andar superior para comer ao mesmo tempo.

- Você pode ficar aqui se quiser. – Ele disse, se virando para me olhar. – Eles vão encontrar algo em que você possa ajudar. Aqui nunca vai faltar nada para comer nem um lugar para você dormir.

Senti um desespero aflorando dentro de mim. Por mais que eu soubesse que merecia aquilo, não podia evitar que o pânico de viver naquele lugar viesse à tona. Alex pensava que eu era mais uma daquelas pessoas, que ficaria totalmente satisfeita em viver daquele modo, mas aquilo era demais para mim.

Apesar da casa de Alex ser simples, eu passei uma noite em um quarto só meu. Não podia imaginar dividir um lugar com tantas pessoas, quando nunca passei por isso em toda a minha vida. Aquela era uma descida muito mais íngreme do que eu poderia aguentar naquele momento. Suas próximas palavras foram um sopro de alívio.

- Mas, se quiser continuar ajudando o abrigo mais ativamente, pode ficar na minha casa. É um trabalho mais perigoso, mas também é muito importante para esse lugar. – Ele passou a mão nos braços, como que para se aquecer. – Você sentiu isso? Foi como uma enorme corrente de ar passando por aqui.

Talvez meu sopro de alívio não tenha sido força de expressão. Não pude deixar de arregalar os olhos com suas palavras. Eu estava ficando angustiada com o rumo daquela conversa. Se ele não tivesse me dado uma melhor opção, o que poderia ter acontecido?

As cenas da minha mãe no chão, segurando a mão junto ao peito e das árvores totalmente destruídas na floresta, me vieram a mente. Olhei para todas aquelas crianças pensando no que poderia ter acontecido. Eu precisava sair daquele lugar.

- Eu vou te ajudar, Alex. Eu quero ficar com você.

Ele sorriu como que se já soubesse a minha resposta. Não consegui retribuir. Só queria sair daquele lugar o mais rápido possível.

PARTE 10
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A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 8)

| 17 outubro 2015 | 6 comentários:
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Ele não largou minha mão durante um longo tempo, enquanto corríamos em meio a floresta. Por mais que aquele contato fosse mais íntimo do que eu gostaria, eu não ousaria soltá-lo. Me perder na floresta não estava entre os meus desejos e ele parecia saber o que estava fazendo.

De tempos em tempos, ele olhava em minha direção e abria um sorriso, coisa que eu não sabia que ele fosse capaz de fazer. Eu não sabia como reagir. Eles eram ladrões, roubavam os nobres que passavam por aquela estrada perdida. E agora eu era cumplice daquele crime, e provavelmente seria de muitos outros. Como eu poderia levar aquilo a diante? Roubar um nobre era o mesmo que roubar do próprio Rei, ou seja, roubar de mim mesma...

Talvez aquilo não fosse tão grave assim, afinal de contas, tudo aquilo era meu por direito.

Nós paramos depois de um longo tempo, e aquele homem que havia me encontrado e me oferecido comida em troca de sua ajuda, parecia imensamente satisfeito. Ele se encostou em uma árvore e não demorou mais do que poucos segundos para que seus outros companheiros se juntassem a nós.

A forma como eles comemoravam era interessante. Pareciam felizes como se o próprio Rei os tivesse agraciado com terras ou ouro. Eles se abraçavam e batiam nas costas uns dos outros, já tentando saber o valor que haviam conseguido na empreitada daquele dia.

- Grande aquisição, Alex. – Disse um homem, batendo nas costas daquele que meu deu um pão em troca de parar homens nojentos à beira da estrada, por mais que não tenha sido essas as palavras que ele tenha usado. Ao menos, agora eu sabia o seu nome.

Alex me olhava de forma mais amistosa. Se antes ele estava cauteloso, parecia que agora eu fazia parte da sua pequena equipe de ladrões e era realmente bem-vinda. Se aquele tinha sido um teste, eu tinha sido aprovada com louvor.

Nós esperamos por um tempo, antes de começarmos novamente a caminhar. Quando saímos da casa de Alex aquela manhã, fomos pelo mesmo caminho, e seus companheiros aos poucos começaram a surgir, até que estávamos nessa grande equipe, em que eu era a única mulher, portanto, a responsável por atrair as nossas vítimas.

Da mesma forma como aconteceu mais cedo, cada um daqueles homens foi tomando o seu rumo, e em pouco tempo estávamos sozinhos. Estava bem escuro. A lua mal iluminava a nossa frente, mas chegamos a casa em segurança. Alex parecia outra pessoa. Agora ele me tratava como um de seus companheiros.

- Você foi ótima. – Não podia negar que a animação em suas palavras era legítima. Ele se dirigiu a cozinha, para preparar o jantar e me trouxe algumas roupas novas. – Você pode ir se lavar, daqui a pouco nós iremos comer. Amanhã eu vou te mostrar o abrigo. Você pode ficar lá ou aqui, se preferir.  Eu também fico lá, ás vezes. É grande, com vários quartos e nunca falta comida. Você já deve ter ouvido falar desse lugar, todos querem ir para lá. Quem sabe um dia isso não será possível? – Ele terminou com um sorriso que faria pessoas muito mais confiantes do que eu desabarem de admiração.

O que ele tinha de calado quando nós conhecemos, agora ele tinha de falador. Apesar de não entender metade do que ele havia dito, achei melhor não dizer nada e não revelar que não sabia nada daquele lugar que eu provavelmente já deveria ter ouvido falar.

Fiquei muito feliz por ter um quarto, com uma chave na porta, e uma cama para dormir. Ainda não estava totalmente certa se o pagamento por sua ajuda seria apenas em roubos, mas ele se comportou como um verdadeiro cavalheiro.

Ao levantar na manhã seguinte, senti um cheiro que fez meu estômago dar cambalhotas de alegria. Depois do jantar da noite anterior, e do café essa manhã, iria insistir para que meu pai contratasse esse homem como cozinheiro no palácio. Sua comida era espetacular e não conseguia disfarçar meu contentamento. Ele sorria sarcasticamente em minha direção, cada vez que eu levava uma porção de comida a boca e suspirava de satisfação.

Conforme prometido, depois do café da manhã, fomos ao tal abrigo que ele tinha mencionado.

Como era um pouco longe para uma caminhada, iriamos em seu cavalo. Preferi não perguntar como alguém sem posses poderia possuir um animal tão vistoso, mas já desconfiava da resposta, mas não foi essa a grande experiência daquele momento.

Eu sabia que seu rosto era perfeito, sua voz, agora me tratando de forma mais amistosa, tinha um efeito interessante, mas, poder tocá-lo, segurar em sua cintura e rodear o seu corpo, fazia com que surgissem sensações que eu não fazia ideia de que existissem. Por um momento, desejei poder ficar abraçada àquele corpo pelo resto dos meus dias. Sem me importar com o que ele poderia pensar, encostei a cabeça em seu ombro, e senti um cheiro realmente maravilhoso, que combinava perfeitamente com aquele homem.

Mais rápido do que eu gostaria, nós chegamos ao nosso destino. O tal abrigo parecia ser um desses lugares em que pessoas sem posses pernoitam, ou fazem alguma refeição em meio a longas viagens. Aquele lugar estava realmente repleto de gente. Vários acenaram para Alex, quando nos aproximamos.

- Aqui é o abrigo. – Ele disse, em voz baixa, ao me ajudar a descer do cavalo. Eu precisava que ele aumentasse a voz, ou tirasse a mão da minha cintura, ou não prestaria atenção em nada do que ele dissesse. Infelizmente, o que aconteceu foi a segunda opção.

- A maioria das pessoas não sabem o que esse lugar é de verdade. – Ele continuou, fingindo arrumar os arreios do cavalo. – Muitos viajantes passam por aqui e se hospedam realmente. Até os guardas reais às vezes aparecem para uma refeição. Isso é importante para não levantarmos suspeitas. Afinal de contas, precisávamos justificar o dinheiro para manter um lugar desse tamanho.

O sorriso em seu rosto alcançou um tamanho incalculável. Ele parecia realmente feliz por aquele feito. Segurando uma de minhas mãos e acenando para algumas pessoas, nós entramos no tal abrigo.

O lado de dentro estava ainda mais cheio. Mesas e mesas repletas de pessoas tomando o seu café da manhã, mas nós não paramos ali.

Entrando por uma porta bem escondida, que eu não teria visto se Alex não tivesse me mostrado, nós descemos uma longa escadaria, sem cruzar com ninguém, porém, à medida que ficava mais claro, eu podia ouvir vozes, muitas vozes e já começava a imaginar o que iria encontrar ali.

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A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 7)

| 10 outubro 2015 | 4 comentários:
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Voltei a sala cabisbaixa, não querendo realmente encarar aquele homem. Por mais que a capa emprestada cobrisse todo o meu corpo, aquele olhar me queimava, fazia com que eu me sentisse nua.

Não querendo ser repreendida novamente, esperei em pé, para saber o que aconteceria, mas, novamente, ele não me convidou para sentar e as palavras que se seguiram me espantaram tanto quanto me apavoraram.

- Você é muito mais bonita do que parecia, agora que finalmente está limpa.

Não resisti e levantei o olhar. Ele me encarava com a mesma intensidade de antes. Eu não sabia se estava mais nervosa com o que quer pudesse acontecer, ou porque um homem tão bonito me encarava sem nenhuma cerimônia.

Como agora eu olhava diretamente para ele, sem dizer uma palavra, um gesto de sua mão foi o suficiente para que eu soubesse que finalmente poderia me sentar. Depois de tantos momentos de desconforto, até aquela poltrona ruim era um balsamo para meu corpo cansado. Eu sentia que, se estivesse sozinha, poderia encostar minha cabeça e dormir ali durante horas, mas, na presença daquele estranho, isso seria impossível.

- Eu posso ajudar você – Ele repetiu, e meu coração palpitou de nervosismo. – Mas, é claro, eu vou querer algo em troca.

Isso era óbvio. Se ele soubesse que eu era a Princesa do Reino em que ele vivia, me daria comida, roupas e muito mais, com um sorriso no rosto, esperando uma retribuição generosa de meu pai, mas ele não sabia, ou pelo menos eu esperava que não. Eu não podia imaginar o que ele poderia querer, era claro, pelo menos para ele, que eu não tinha nada. Ele deve ter percebido meu nervosismo, porque tentou me tranquilizar.

- Não precisa se preocupar. – Ele começou, com a tentativa de um sorriso em sua face. Parecia que ele não fazia aquilo com muita frequência. – Eu não vou fazer mal a você, só preciso que me ajude.

Eu não tinha escolha, mesmo que nunca tivesse ajudado alguém na minha vida, geralmente os meus criados faziam isso por mim. Mesmo assim, o que eu tinha que fazer me espantou e me fez ter mais receio da pessoa que tinha cruzado o meu caminho.

_______________________________________________________________________________ 

A estrada estava deserta àquela hora. Era quase noite e as árvores faziam com que o breu já fosse perceptível. Já não enxergava muito a minha frente, mas continuei o meu caminho, conforme combinado. A floresta, de ambos os lados da estrada, era assustadora, assim como a parte que beirava o castelo. Eu sabia que não estava sozinha, que eles estavam escondidos, em meio as árvores, mas, sem ver ninguém, eu não sabia quem me vigiava: se meus novos companheiros, ou algo aterrorizante escondido na floresta.

Não demorou muito tempo e aconteceu exatamente o que me disseram. Ouvi o barulho dos cavalos antes de vê-los. Conforme combinado, parei bem no meio da estrada, retirando o capuz, para deixar meu “belo rosto” a mostra. Se alguém achava meu rosto belo naquela situação, eu deveria ser mesmo deslumbrante. Comecei a gritar, como uma donzela indefesa perdida na floresta, torcendo com todas as minhas forças para que não fosse um nobre que me reconhecesse.

A carruagem parou, conforme esperado. O condutor desceu, acalmou os cavalos e me olhou de forma nojenta. Ele tocou em seu chapéu, como que fazendo uma reverência, e foi até a porta da carruagem.

- É uma garota perdida, meu senhor. – Ele disse com a cabeça dentro da carruagem. – Acho que ela irá agradá-lo.

Um segundo depois, desceu da carruagem um senhor corpulento. Sua barriga fazia o movimento de atravessar aquela pequena porta ser um feito complicado. Ao finalmente conseguir ver seu rosto, foi um alívio perceber que não o conhecia, mas senti um embrulho no estômago ao ser observada de forma tão lasciva. Ele foi se aproximando, com um sorriso revoltante. Queria me mexer, sair correndo, mas não era esse o combinado.

- Está perdida, minha querida? – Ele perguntou, descendo o olhar por todo o meu corpo. – Precisa de ajuda para ir para casa?

Eu ouvi um riso do seu condutor. Eu era uma mocinha inocente e sozinha que iria para qualquer lugar com ele, mas jamais para sua própria casa. Já estava ficando com raiva da atitude desonrosa daquele sujeito, mas tinha que continuar com o meu teatro.

- O senhor pode me ajudar? – Perguntei, no tom mais doce que eu conseguiria usar. Eu não achava que tinha sido muito convincente, mas o sorriso daquele homem aumentou ainda mais, se é que era possível.

- Claro que eu posso. Venha comigo. – Ele me estendeu uma de suas mãos, mas olhando para outras partes de meu corpo, que não eram meus olhos.

Eu não queria sequer encostar naquele homem, mas não foi realmente necessário. Como uma explosão dentro da floresta, dezenas de homens armados saíram do meio das árvores. Vários correram direto para a carruagem, levando tudo o que fosse possível, inclusive os cavalos.

O homem a minha frente parecia em choque. Seus olhos arregalados exprimiam o seu pavor e ele se esqueceu da minha existência. O choque do condutor durou menos tempo. Levando a mão na cintura, ele tirou uma arma que eu vi de relance, antes de alguém segurar uma das minhas mãos e me levar para dentro da floresta.

Quando os tiros realmente começaram, fiquei feliz por não estar mais ali.

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A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 6)

| 26 setembro 2015 | 4 comentários:
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Depois do que pareceu uma eternidade, com aquele homem me encarando, e eu pensando se deveria começar a gritar ou sair correndo, finalmente ele decidiu falar alguma coisa.

- Qual o seu nome? – Ele perguntou me olhando, parecendo querer analisar cada parte do meu rosto.

- Cecí... – Comecei a dizer meu nome, mas parei, me dando conta de que talvez isso não fosse uma boa ideia.

- Cecí? – Ele perguntou de forma levemente irônica, parecendo achar graça naquele nome estranho. Isso foi um alívio, porque pelo menos serviu para diminuir aquela forma intensa com que ele me olhava. – Um nome... singular. – Ele pareceu ter alguma dificuldade para encontrar aquela última palavra.

Abaixei a cabeça, sem saber o que responder. Agora que a fome não era exatamente a principal coisa que passava pela minha cabeça, eu não sabia o que faria naquele momento, ou o que faria com a minha vida. Aquele homem pareceu ler meus pensamentos, e me perguntou algo que eu não sabia o que deveria responder.

- Então, Cecí, o que você vai fazer agora? Tem algum lugar para onde ir?

Eu não era tão idiota a ponto de pensar que o estado das minhas roupas e o meu desespero por comida não respondessem a sua pergunta. Por mais que eu realmente tivesse para onde ir, diferente de todas aquelas outras pessoas miseráveis que estavam ali, eu não podia voltar para a minha casa. Não naquele momento. Não sei se foi meu silêncio, ou meu olhar, mas ele não esperou por muito tempo por uma resposta.

- Se quiser, eu posso ajudar você. – Ele me encarou novamente, como que imaginando o que poderia fazer comigo. Eu só não consiga definir se aquilo poderia ser algo bom ou ruim. – Venha comigo.

Ele virou as costas, sem esperar uma resposta e sem ver se eu estava realmente indo atrás dele. Como aquele homem estava indo para a parte mais movimentada do vilarejo, eu decidi que não me faria nenhum mal ir atrás dele. Eu poderia escapar mais facilmente em meio a outras pessoas.

Quando eu finalmente decidi que não ficaria com ele por muito tempo, nós finalmente estávamos em um lugar repleto de pessoas, mas eu pude perceber naquele momento o que eu não vi antes, em meio ao meu desespero por comida.

Quando eu vi a cavalaria do meu Reino, pensei que talvez eles tivessem realmente me procurando, afinal de contas, eu sou a princesa, mas, nunca imaginei que meu pai chegaria a aquele ponto.

Cartazes com meu rosto estavam espalhados em vários lugares. Aquele era um dos meus melhores retratos, eu estava linda, arrumada e radiante, o que era a minha sorte. Ninguém me reconheceu naquele estado catastrófico que eu estava agora, o que provavelmente teria acabado totalmente comigo, porque, ao invés de meu pai escrever que ele estava procurando por sua filha, o cartaz estava à procura da amaldiçoada que havia levado a princesa. Com a minha foto. Isso era como se ele quisesse acabar comigo, completamente. E a recompensa era sem precedentes.

Olhei para os lados ansiosa, sem saber como agir. Se alguém me reconhecesse, seria meu fim. O que me restava naquele momento, era abaixar os olhos e seguir aquele desconhecido que tinha, por tanto tempo, me encarado de forma minuciosa. Só me restava torcer para que ele não tivesse me reconhecido e estivesse atrás de sua recompensa.

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Andamos por algum tempo, até chegarmos a uma casa, ainda dentro do vilarejo, mas não em sua parte mais povoada.

Ele abriu a porta e não me convidou para entrar, mas a deixou aberta, e eu segui em frente. Não havia muitos móveis, apenas absolutamente o básico e necessário. Parecia ter mais alguns cômodos, o que eu não conseguia realmente ver. Talvez homens precisassem de menos coisas para sobreviverem mesmo. Ele tirou a capa que estava vestindo e a jogou de qualquer jeito em uma poltrona, na qual ele se sentou. Olhei para os lados, e já ia me sentar em uma poltrona próxima, mas ele me impediu.

- Você está imunda. – Não pude deixar de enrubescer com o seu comentário.  – Vá se lavar primeiro, depois nós conversamos. Ali é o banheiro. – Ele apontou para uma porta adiante. – Você vai encontrar uma capa limpa ali dentro, em um armário, pode usá-la se quiser.

Sem fazer mais nenhuma pergunta, fiz o que ele disse. Tranquei a porta, aliviada de que ali tivesse uma chave. A capa da qual ele me falou, era bem parecida com a que ele mesmo estava usando, e cobriria todo o meu corpo. Aquele capuz também seria bem útil, quando eu saísse e precisassem tampar meu rosto.

Me lavei e consegui perceber vários arranhões e machucados, principalmente nas partes que estavam descobertas. Meus pés estavam em um estado lamentável, assim como meus tornozelos. Meu rosto também estava queimado pelo sol, coisa que nunca tinha me acontecido. Detestei me olhar no espelho, mas, pelo menos fiquei satisfeita em ver que as minhas feições estavam muito diferentes da princesa dos cartazes.

Com o rosto mais queimado, como se eu fosse uma trabalhadora comum, sem minha maquiagem usual e com o cabelo jogado de qualquer jeito, sem um elaborado penteado, talvez, se eu fosse extremamente cuidadosa, pudesse passar sem ser reconhecida, até encontrar uma forma de quebrar aquela maldição e provar para todos que eu era a princesa.

Mas, aquele era outro grande problema. Se aquela amaldiçoada falou a verdade, eu teria que abrir mão da coisa mais importante da minha vida. O que poderia ser mais importante do que eu ser uma princesa? Mas, isso era algo que eu não tinha no momento, e exatamente o que eu estava lutando para conseguir de volta. Eu não fazia ideia do que poderia ser.

Porém, não era hora de pensar naquilo. Eu tinha problemas mais urgentes, como o homem misterioso que estava me ajudando, mas que eu não fazia ideia a que preço.

PARTE 7
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A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 5)

| 19 setembro 2015 | 4 comentários:
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Andei durante horas, até minhas pernas não aguentarem mais sustentar o meu corpo. Era quase inacreditável que aquela mulher conseguisse percorrer toda aquela distância carregando tanta comida. Me agachei próxima a uma árvore e pensei o quão tola eu havia sido. Sair impetuosamente teria sido um ato realmente digno de alguém da realeza, se ao menos houvesse alguém para ver aquela cena. Se eu tivesse sido mais inteligente, teria pegado um pouco de comida e algumas roupas. Meu estômago roncava como nunca e minha veste de dormir estava em um estado lastimável.

Eu sabia que aquele seria o meu fim. Eu nunca conseguiria sair daquela floresta. Não tinha o que comer e nem forças para seguir a trilha deixada por aquela amaldiçoada, mas era quase como se eu já tivesse me conformado com aquela situação. O desespero que eu pensei que sentiria não apareceu, então eu resolvi me encostar naquela árvore e fechar os olhos. Se algo surgisse enquanto eu não estivesse prestando atenção, talvez fosse bom, alguma forma de acabar com todo aquele sofrimento mais rapidamente.

Claro que aquela conformidade com o meu fim se extinguiu no mesmo instante em que eu ouvi um barulho muito característico. Olhei ao meu redor, tentando encontrar a fonte do barulho, mas as árvores impediam muito da minha visão. Usei toda a força que eu pude encontrar para me por de pé, e segui em direção ao som.

Bem perto de onde eu estava, a floresta terminava bruscamente, como se tivesse sido arrancada dali a força, e provavelmente tinha sido. Uma perfeita estrada serpenteava a minha frente, e uma cavalaria inteira passava por ela.

Ás arvores eram a única barreira entre mim e aqueles homens que eu reconheceria em qualquer lugar. Todos eles portavam escudos do Reino de meu pai, do meu Reino. Tive que usar todas as minhas forças para não correr em direção a eles para pedir ajuda. Não sabia se o Rei os havia enviado em meu auxílio, ou se ele ainda pensava que eu era uma amaldiçoada.

Quando todo o pelotão passou a minha frente, decidi tomar o caminho contrário, apenas por precaução. Independente da direção, aquela estrada haveria de me levar a algum lugar.

Felizmente, não precisei andar por muito tempo. Não teria forças para isso. Uma pequena aldeia logo apareceu a minha frente. Eu já tinha passado por muitas aldeias em meu Reino, mas nunca prestei muita atenção em nenhuma delas. Sempre dentro de carruagens luxuosas, cercada por soldados do Rei, eu percebia que aqueles lugares eram pobres, mas nunca cheguei a realmente ver o quão miseráveis eles eram.

Havia algo como um mercado ao ar livre, com produtos nada atrativos e pessoas negociando infinitamente para conseguir comprar algo para comer. Poucas pessoas pareciam ter algum dinheiro, ou se vestiam de forma um pouco mais digna.

Várias construções se embaralhavam umas ao lado das outras, mas pareciam todas feitas do mesmo material da cabana que eu havia deixado no meio da floresta. Algumas estavam com as portas escancaradas, e pareciam também ser algum tipo de comercio, outras estavam fechadas, talvez por serem apenas um lugar para as pessoas viverem.

Era muito estranho andar em meio àquela gente e não ser reconhecida. Eu era a Princesa daquele Reino, mas ninguém parecia ter consciência disso. Ao avistar um grande barril com água, entendi exatamente o motivo. Meu reflexo era a coisa mais pavorosa que eu já tinha visto. Meus cabelos, sempre tão vivos, brilhantes e bem arrumados, pareciam tão emaranhados a ponto de nunca mais ser possível penteá-los. Minha pele estava encardida, e parecia que tinha terra entranhada com todas as partes do meu corpo, porém, eu não era a única pessoa naquela situação. Vários outros indivíduos estavam em um estado tão ruim ou pior que o meu, então ninguém olhava mais do que uma vez em minha direção. Minhas vestes de dormir, ao menos eram longas, cobriam minhas pernas e braços completamente, o que era melhor do que a situação de muitos por ali.

Tudo o que eu precisava naquele momento era de algo para comer. Aquele vazio no meu estômago era algo sem precedentes. Mesmo aquela comida de aparência suspeita, vendida nas barracas na rua, começava a se mostrar mais desejável do que eu poderia imaginar. Eu não sabia o que fazer. Não tinha nada comigo, nem uma moeda que fosse, e não podia revelar as minhas origens a ninguém, não poderia confiar em ninguém.

Me afastei de onde estava a maior parte da multidão e adentrei mais o vilarejo. Cheguei a um lugar um pouco mais vazio, com menos pessoas, mas com algumas lojas abertas. Talvez ali fosse mais fácil conversar com alguém sobre a minha situação.

Escolhi o lugar mais afastado. Parecia ser algo que eu só tinha ouvido falar no Palácio. Um lugar onde homens se encontram para beber durante a noite, e realmente só havia homens ali dentro, apesar de poucos. A aparência deles era um pouco melhor do que das pessoas na parte mais movimentada do vilarejo e todos estavam sentados em mesas, comendo uma refeição que fez com que minha boca se enchesse de água.

Entrei mais um pouco, seguindo em direção ao balcão, quando ouvi um grito as minhas costas.

- O que você está fazendo aqui?

Congelei no lugar em que eu estava. Será que alguém havia me reconhecido?

Comecei a virar devagar, mas uma mão me puxou bruscamente pelo braço, em direção a saída. Quando chegamos a porta, simplesmente fui empurrada e, sem consegui me equilibrar, simplesmente desabei no chão repleto de sujeira.

- Esse lugar não é para gente da sua laia! Nunca mais ouse colocar seus pés imundos aqui dentro!

Era um homem robusto, de aparência severa, mas não era nada mais do que provavelmente o dono daquele lugarzinho medíocre. Eu nunca quis tanto ter minha vida de volta. Eu não podia enfrentar aquele homem, eu não tinha esse direito, não na situação em que eu me encontrava. Eu senti que começaria a chorar a qualquer momento, de raiva, medo, frustração, quando alguém colocou as mãos em meus braços e me ergueu do chão.

Virei para ver quem seria a primeira pessoa a me tratar com o mínimo de respeito que alguém da minha classe merece, quando me deparei com os olhos mais lindos que eu já tinha visto em minha vida. E não eram apenas os olhos, seu rosto era perfeito, sua boca parecia ter sido esculpida como o mármore quando está pronto para forjar uma estátua. Seus cabelos brilhavam e se mexiam de acordo com o vento. Nenhum príncipe chegava aos pés do homem a minha frente.

Pela primeira vez, realmente senti vergonha da minha aparência. Eu sempre sonhei com o meu casamento, com a festa monumental que eu teria, com a vida de luxo e riquezas que me esperava, mas a pessoa que estaria ao meu lado nunca possuiu um rosto. Até esse momento.

- Você está bem?

Apenas consegui assentir com a cabeça. Coloquei os braços na frente do corpo e abaixei os olhos. Não queria que aquele homem me visse daquele jeito. Queria que ele me visse linda, como uma princesa.

Olhando para baixo, percebi que ele estava vestindo uma longa capa, além de luvas. A única parte descoberta de seu corpo era realmente o rosto, mas um capuz jogado para trás resolveria esse problema rapidamente.

Ele puxou para frente uma bolsa que estava ao seu lado, tirou um pacote marrom e me entregou. Eu peguei sem saber o que ele queria dizer com aquilo, sua expressão não era amistosa, mas, não pensei em mais nada ao ver o que tinha ali dentro. Aquele era o pedaço de pão mais perfeito que eu já tinha visto em minha vida. Sem nem ao menos pensar em agradecer, eu comecei a devorar aquilo como uma selvagem. A etiqueta a mesa era algo que eu aprendi desde cedo. Eu sabia me comportar perfeitamente como uma princesa em qualquer lugar, mas aprendi naquele momento que não existe princesa, não existe etiqueta e não existe Reino no mundo que possa superar a sensação de se estar com fome.

Quando terminei de comer, mais rápido do que já havia comido qualquer coisa em minha vida, eu ainda estava com fome, mas o pior já havia passado. Finalmente levantei o olhar, pensando se deveria agradecer aquele estranho, mas ele me encarava de forma intensa.

Fiquei realmente com medo naquele momento. Talvez não tenha sido uma ideia realmente boa ter ido para uma parte tão deserta do vilarejo.


PARTE 6
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A Princesa dos Ventos (Parte 4)

| 12 setembro 2015 | 4 comentários:
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Eu mal podia sentir o meu corpo, mas minha cabeça parecia pesar uma tonelada. Era como se abrir os olhos fosse consumir uma energia que eu absolutamente não tinha. Um zumbido interminável parecia passear pelos meus ouvidos, tentando levar minha sanidade para longe de mim.

Abrir os olhos era uma experiência extremamente dolorosa, mas, na minha atuação situação, eu não podia me dar ao luxo de ficar descansando, esperando o que quer que fosse acontecer.

Toras de madeiras paralelas, formando um teto baixo, foi a primeira coisa que minha vista alcançou. Eu sabia que, se me levantasse, poderia toca-las com as minhas mãos. Olhei disfarçadamente, tentando não alertar alguém que estivesse presente, mas aquele lugar era pequeno demais para que alguém pudesse se esconder, e eu estava completamente sozinha.

Me sentei devagar, testando a dor que eu estava sentindo, mas ela era suportável. Aquilo era uma cabana de madeira, como nas histórias que eu ouvia quando criança, pequena e muito desconfortável. A cama em que eu estava parecia ser o único lugar ali que alguém poderia descansar e, não havia acessórios o suficiente naquele lugar para uma vida minimamente confortável.

A porta estava a poucos passos de onde eu estava, e eu não sabia se queria realmente encontrar o dono daquele lugar quando ele voltasse. Levantei da cama e alcancei a porta em um segundo, mas antes de sequer ter a chance de abri-la, alguém do outro lado fez esse trabalho, com muito mais força do que seria necessário, fazendo a porta bater diretamente em mim e me arremessando de encontro ao chão.

Se minha cabeça antes estava latejando, agora eu não sabia mais definir a intensidade da minha dor. A raiva que eu estava sentindo antes de desmaiar voltou com força total, e eu preparei o meu olhar de ódio para quem quer que tivesse chegado, por mais que eu suspeitasse quem seria o meu algoz.

Aquela velha ainda estava parada a porta, da mesma forma em que eu a vi a porta do meu quarto, antes de todo aquele pesadelo começar. Ela parecia achar graça da minha situação, o que me enfureceu ainda mais. Não pude deixar de notar que suas mãos estavam ocupadas. Ela segurava duas cestas, repletas de comida, o que a teria impedido completamente de abrir a porta, principalmente com aquela força.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela entrou na cabana, e a porta se fechou as suas costas, como se aquilo tivesse sido feito por magia, mas não pude deixar de notar o vento que passou por mim quando isso aconteceu.

Ela parecia completamente à vontade, como se nada de estranho estivesse acontecendo, como se a princesa do reino que ela pertencia não estivesse bem a sua frente, a mesma princesa que ela havia amaldiçoado. Isso era algo sem precedentes e, por mais que eu estivesse com raiva, não sabia como agir, principalmente com a frase que ela disse em seguida.

- Você está com fome? – Ela estava de costas, mexendo nos alimentos que ela tinha trazido, mesmo assim eu podia sentir o sorriso brincando em seus lábios. Ela claramente se divertia com o meu sofrimento.

Eu não comeria nem um grão sequer que viesse daquela mulher. Àquela altura, eu já estava a mais de um dia inteiro sem comer, e a fome que eu sentia não era fruto da minha imaginação, mas não iria ser tão tola de aceitar algo que viesse da mesma pessoa que havia acabado com a minha vida.

Me levantei devagar, tentando não chamar muita atenção, mas precisando urgentemente de algumas respostas, para quem sabe assim decidir o que fazer.

- Quem é você? – Começar pela pergunta mais básica podia me ajudar de alguma forma.

- Meu nome é Quitéria. – Ela respondeu, para a minha surpresa, tentando até um sorriso amistoso, como se isso fosse possível depois de tudo o que aconteceu. – Sou uma das filhas da Deusa dos Ventos.

Não pude impedir uma gargalhada que tentou escapar de meus lábios. Ela percebeu e me lançou um olhar hostil.

- Filha da Deusa dos Ventos? É assim que vocês se chamam? – Nem tentei impedir minha próxima gargalhada. Por mais que eu estivesse com medo, aquele olhar de indignação me causava uma satisfação como eu nunca tinha sentido. – Você quer dizer que você é uma amaldiçoada, não é? Deusa alguma faria um ser como você.

Seu olhar de indignação se transformou em alguma outra coisa que eu não consegui definir realmente. Parecia um pouco com solidariedade, ou pena. Duas coisas que eu não estava nem um pouco acostumada a lidar.

- Um ser como eu? – Sua voz soava quase quando alguém fala com uma criança pequena que não entende as coisas muito bem. – Eu acredito que você quisesse dizer um ser como nós, porque, se você não percebeu, agora você é exatamente como eu.

- Eu não sou como você. – O grito que deixou minha garganta foi quase incontrolável. – Eu nunca serei um mostro como você. Eu sou uma princesa e logo vou voltar para o palácio. Você mal pode esperar pelo o que vai te acontecer. Você vai ser obrigada a tirar isso de mim, e depois irá pagar pelos seus crimes.

- Não posso tirar isso de você. – Ela virou as costas novamente e voltou a mexer em sua comida. – Isso poderia matá-la, faz parte de você agora.

Aquilo não era possível. Eu precisava me livrar daquela maldição, foi para isso que eu fugi, para me livrar daquilo e voltar para a minha casa, para a minha vida, finalmente ter o meu tão sonhado baile e fingir que aqueles dias não aconteceram.

Ela era a culpada por eu estar passando por tudo aquilo e iria me ajudar a ter minha vida de volta, mesmo que eu tivesse que obrigá-la a fazer isso.

Era impossível que ela esperasse que eu fosse fazer algo tão repentino, então, quando eu segurei seus cabelos com força e joguei sua cabeça em direção a parede, ela não tentou nem se defender. Sem soltá-la, usando uma força que eu não tinha, talvez movida pela raiva, a derrubei no chão e me joguei por cima de seu corpo, para impedir que ela se movesse, mas não parecia ser necessário. Havia um corte enorme em sua testa, de onde saia uma quantidade incalculável de sangue. Senti quase um prazer perverso em lhe causar um pouco da dor que ela estava me causando.

Por mais que o ferimento fosse feio, ela ainda estava consciente, mas a forma como ela me olhava me fez perceber que estava tonta e provavelmente desmaiaria a qualquer momento. Eu tinha que aproveitar aquela oportunidade.

- O que eu tenho que fazer para quebrar essa maldição? – Eu falei bem perto de seu ouvido, para que minhas palavras não lhe escapassem. – O que eu tenho que fazer para ter minha vida de volta?

- Você quer sua vida de volta, princesa? – Apesar da dor, a sua voz não perdia aquele tom insolente. – Então, que assim seja. Para quebrar essa maldição, só existe uma maneira. – Meu coração quase palpitou de nervosismo. Finalmente eu poderia acabar com aquilo e ter minha vida de volta. – Você precisa abrir mão da coisa mais importante de sua vida.

Meu corpo começou a tremer sem acreditar no que eu tinha ouvido. Aquilo não era possível, eu não queria abrir mão de nada, eu queria ter minha vida de volta. Voltar a questionar aquela mulher estava fora de cogitação. Finalmente o ferimento cobrou o seu preço e seus olhos se fecharam. Se ela estava apenas desmaiada, ou algo mais sério, não era algo que me importasse. A única coisa que me importava era sair daquele lugar, era fazer algo para impedir que as lágrimas novamente tomassem conta da minha mente.

Me levantei e corri em direção a porta. Ao chegar do lado de fora, vi suas pegadas no chão. Não sabia para onde ir, mas, se existia algum lugar por perto onde eu pudesse me esconder, já seria um bom começo. Não olhei sequer uma vez para trás.

PARTE 5
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A PRINCESA DOS VENTOS (PARTE 3)

| 05 setembro 2015 | 6 comentários:
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Era muito mais alto do que eu imaginava. Não sabia como fazer aquilo da forma correta, se deveria cair em pé, de lado, ou em qualquer outra posição que fosse menos dolorosa, porém, agora era muito tarde para pensar em qualquer uma dessas coisas.

Ver o chão se aproximando de meu rosto só me fez pensar na dor que eu sentiria. Eu tentei colocar minhas mãos a frente do meu corpo, apenas para tentar amortecer um pouco a queda, mas, a poucos centímetros do chão, tudo se congelou, eu simplesmente parei de despencar.

Aquilo era surreal, era como se eu estivesse voando. Meu corpo estava parado, inteiramente elevado, a poucos centímetros do chão. Um sorriso começou a se formar em meus lábios. Aquilo era mágico e maravilhoso, mas meu momento foi interrompido pelos gritos dos guardas prostrados na minha janela.

O desespero voltou, juntamente com tudo o que estava acontecendo. Eu precisava desesperadamente sair dali. Uma forte rajada de vento subiu de ambos os lados, como se estivesse presa embaixo de mim, me mantendo suspensa no ar, e eu fui direto ao chão.

Sem parar para pensar no que poderia acontecer, levantei a barra da minha longa veste de dormir e corri, sem saber por qual direção seguir. O único objetivo que eu tinha em mente era que eu precisava sair dali, que eu precisava me esconder.

A música já estava alta dentro dos salões. Meu coração se apertou, sabendo que eu deveria estar descendo as escadas, sendo admirada por centenas de nobres, circulando, dançando e me divertindo no mais belo dos vestidos em minha grande noite. O dia do sonho mais importante da minha vida tinha se transformado em um pesadelo.

Quando gritos começaram a se misturar a música, eu comecei a correr, sem rumo, sem saber por onde ir. Os jardins do castelo eram imensos, não que eu os conhecesse muito bem. A pele de uma princesa não deveria ficar exposta ao sol, princesas não deveriam se cansar em grandes caminhadas e princesas sempre deveriam estar prontas caso sua presença fosse solicitada. Passeios ou brincadeiras nos jardins, se tratando da infância de uma princesa, estavam completamente fora de questão.

Não sabia para onde ir, mas não podia ficar parada naquele lugar. Muitas carruagens estavam paradas em frente ao palácio. Seria muito fácil me esconder em uma delas, mas aquele seria o primeiro lugar que eles procurariam.

Apesar da ideia ser assustadora, eu não podia ficar dentro dos terrenos do castelo, teria que sair dali. O portão principal era altamente vigiado, então só me restava o caminho da floresta. Contornei o castelo rapidamente e me deparei com aquela imensidão, onde a escuridão era assustadora. Eu exigi para que meu quarto tivesse vista para a entrada, com a desculpa de que eu queria acompanhar tudo o que acontecesse no castelo, mas a verdade era que olhar aquele lugar a noite me assustava.

Durante o dia, as árvores balançavam muito juntas e se perdiam em uma imensidão de verde, mas nada comparado ao breu infinito que surgia a noite. A floresta não era vigiada. Segundo diziam, as próprias árvores cuidavam da segurança. Aquela floresta era interminável, portanto, qualquer um que tentasse se embrenhar em seu interior, jamais conseguiria chegar ao seu objetivo. Teria muita sorte se conseguisse voltar de onde partiu.

A ideia de ter um triste fim no meio da floresta me assustava muito, mas não mais do que ser pega e julgada como uma amaldiçoada. Eu pude ouvir os guardas se aproximando e não parei para pensar no que eu iria fazer. Simplesmente corri em direção a escuridão sem fim.

____________________________________________________________________ 

Dentro da floresta não era mais possível ouvir os sons do castelo. A música alegre do meu grande dia havia ficado para trás, e mesmo o barulho dos guardas agora não existia.

Assim que me viram correndo, uma multidão de guardas partiu em minha direção. Eu não sabia onde tinha encontrado forças para terminar aquela jornada. Sequer me lembrava de já ter corrido em algum momento em minha vida, mas algo dentro de mim me dava forças para seguir em frente e alcançar as primeiras árvores. 

Apesar da escuridão, não parei até que eles desistissem. Não pude deixar de conter um sorriso quando eles recuaram. Aqueles covardes, não tinham a coragem o suficiente para enfrentar algumas árvores, quando uma princesa jovem e inocente tinha.

Agora que tudo estava silencioso, comecei a olhar a floresta a meu redor. A lua mal servia para me fazer enxergar mais do que alguns metros à frente. O vento batia nas árvores causando um barulho que deixava meus braços arrepiados. Eu esfreguei minhas mãos em meus braços e resolvi voltar um pouco. Se não me distanciasse muito do castelo, poderia encontrar uma maneira de sair pelos portões, assim que fosse possível.

Andei por alguns metros, sem começar a avistar nada que me desse algum indicio que eu estava me aproximando. Nem um som diferente, nem a música que era possível de se ouvir ao longe chegava aos meus ouvidos.

Meu coração começou a palpitar e minha respiração ficava cada vez mais difícil a medida que o tempo ia passando. Estava claro que eu estava andando a mais tempo do que eu precisei para chegar ali e eu não sabia mais qual era a direção correta.

Só havia árvores e mais árvores a minha volta, além do som misterioso e assustador que o vento conseguia produzir.

Sentei em frente a uma árvore e encostei minhas costas em seu tronco. Com os joelhos junto ao corpo, queria esconder meu rosto entre os braços e chorar, mas tinha medo do que poderia aparecer se eu não estivesse olhando ao meu redor.

Levantei as mãos e as encarei, tentando entender o que tinha acontecido. Eu não poderia ter machucado a minha mãe daquela forma, assim como não poderia ter mantido meu corpo suspenso no ar, mas sabia que era a responsável por tudo aquilo, apesar de não conseguir pensar que eu poderia ser como aquelas mulheres.

Eu não poderia ser uma amaldiçoada.

Aquelas mulheres eram completamente más, machucavam as pessoas, faziam bruxarias, usavam um poder completamente desconhecido para conseguir o que elas queriam. Eu ouvi histórias sobre elas durante toda a minha vida, mas meu pai me garantiu que nenhuma delas havia sobrado em nosso reino. O Rei havia queimado uma por uma até que não restasse nem a sombra daquele antigo poder.

Mas ele estava errado. Havia restado uma e ela tinha passado todo aquele tempo dentro do palácio. Ela era a responsável por aquilo ter acontecido, ela tinha me amaldiçoado com aquele poder maligno. Eu não conseguia pensar que eu estava aqui, sozinha, no meio daquela floresta sombria, enquanto ela ainda estava dentro da minha casa, pronta para acabar com a vida de todos.

Uma raiva como eu nunca senti começou a queimar dentro de mim. Pela primeira vez desde de que toda aquela tragédia começou a acontecer, um sentimento conseguiu ser mais forte do que o medo.

Me levantei enfurecida, disposta a fazer o que fosse possível para voltar para a minha casa e fazer com que aquela amaldiçoada pagasse por ter arruinado o meu momento, por ter arruinado a minha vida.

Algo realmente queimava dentro de mim. Sem pensar direito no que estava fazendo, simplesmente gritei de raiva, medo, frustração, não sabia exatamente definir. Levantei os braços tentando me livrar de qualquer coisa que pudesse estar entranhada em meu corpo, ou em minha alma. Senti aquela sensação maravilhosa novamente, levando embora qualquer outro sentimento ruim que pudesse estar dentro de mim.

O vento em volta das árvores aumentou bruscamente, balançando a floresta como se tudo fosse desabar em segundos, e foi quase o que aconteceu, mas, ao invés das árvores caírem, elas foram derrubadas, cortadas de forma perfeita, formando uma grande área aberta ao meu redor.

Olhei novamente para as minhas mãos, sem poder conter as lágrimas que chegavam aos meus olhos. Aquilo era o mesmo que eu tinha feito com minha mãe, mas em uma intensidade muito maior. As árvores estavam todas acabadas, sem vida, metros e metros de floresta destruída em apenas um segundo.

Se eu poderia fazer aquilo com árvores centenárias, o que eu não poderia fazer com uma pessoa? Com dezenas, centenas de pessoas? Eu era exatamente como aquelas mulheres amaldiçoadas, um rastro de destruição.

Minha cabeça começou a girar sem poder assimilar o que estava acontecendo. Senti meu corpo indo em direção ao chão, mas pude ver alguém se aproximando. A última coisa que minha mente conseguiu assimilar foi aquele sorriso perturbador, que tinha sido exatamente a última coisa que eu tinha visto em meu quarto, antes de todo esse pesadelo começar.

PARTE 4
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A Princesa dos Ventos (Parte 2)

| 29 agosto 2015 | 6 comentários:


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Finalmente havia chegado o meu grande dia. Eu acordei antes de sequer alguém trazer o meu desjejum, o que não era nem um pouco usual. Abri as cortinas para que o sol banhasse o meu quarto com todo o seu brilho, mas não pude deixar de me decepcionar ao ver o céu nublado daquela forma. Como a natureza tinha a audácia de tentar estragar o momento mais importante da minha vida?

Mas aquilo não tinha importância. Voltei novamente para o centro do quarto, onde estava a mais bela obra prima que eu já tinha visto. Qualquer um dos outros vestidos que já me fizeram não chegavam aos pés desse. Eu seria a princesa mais bela que qualquer um já tenha visto. Todos os príncipes, de todos os Reinos, não teriam olhos para nenhuma outra garota naquele palácio essa noite.

Mal podia conter minha alegria. Desejava fervorosamente que o dia passasse e a minha noite finalmente tivesse o seu início. Comecei a rodopiar no quarto, sem me importar com o que aquilo pareceria, até ouvi uma risada perto da porta.

Parei de costas para quem quer que fosse, apenas para tentar me acalmar. Minha mãe havia me dito que eu deveria me portar como uma princesa, que um dia seria uma rainha, portanto, não poderia me exaltar com os criados. Deveria mantê-los na linha, mas com sutileza.

Eu iria seguir os seus conselhos, repreender aquela criatura que não conhecia o seu lugar, porém, de forma elegante, mas o fato de que aquilo não foi uma risada isolada, que ela ainda ria de mim, mesmo que agora eu estivesse apenas parada, sem nem lhe dirigir o olhar, era mais do que a minha paciência poderia suportar.

Virei abruptamente, pronta para pegar o que estivesse ao meu alcance e jogar em quem quer que fosse, mas paralisei no mesmo instante em que encontrei os seus olhos.

Não havia mais pensado naquela mulher desde aquele dia. Me convenci que tudo não havia passado de obra da minha imaginação, que eu estava muito nervosa com a aproximação do meu baile. Os nobres de reinos mais distantes começaram a chegar, para se instalarem no castelo e minhas atribulações me impediram de pensar em qualquer outra coisa. Até aquele momento.

O seu olhar me paralisava, como se algum tipo de medo muito antigo voltasse a superfície da minha alma. Ela ainda ria, olhando em minha direção, enfatizando ainda mais as rugas proeminentes em seus olhos, e tudo o que eu sentia era vontade de chorar.

A porta as suas costas já estava fechada. Eu queria gritar, pedir que alguém viesse me ajudar, que tirassem imediatamente aquela pessoa da minha frente, mas nada saía da minha garganta e lágrimas começaram a escorrer de meus olhos.

Eu sentia uma mistura de frustração, raiva e medo, enquanto ela se aproximava cada vez mais de mim. Queria me mexer, sair correndo, fazer qualquer coisa, mas meu corpo não me obedecia.

Ela parou bem a minha frente, com um sorriso superior em seu rosto. Eu podia sentir meu coração querendo abrir um buraco para sair a força do meu peito. O ar começou a me faltar quando ela levantou as mãos e tocou meu rosto.

Eu estava com medo, mas o seu toque era gentil e eu não pude deixar de sentir algo suave saindo de suas mãos e entrando em contato direto com a minha face. Era como se uma brisa suave tocasse o meu rosto, invadisse a minha pele e encontrasse o seu caminho deslizando por dentro de mim.

Aquela sensação era inebriante, ao mesmo tempo em que era assustadora. Eu sentia que morreria se não tivesse mais aquele toque em minha pele e aquela sensação percorrendo o meu corpo. Eu já não tinha mais consciência de quem eu era, de onde eu estava ou quem era aquela pessoa a minha frente. Apenas sabia que meu mundo nunca mais seria o mesmo.

- Agora, minha querida princesa, você terá que aprender com os seus erros, ou encontrar o seu fim através deles. A escolha será sua, sempre foi. Você só terá que escolher o que é certo.

Eu mal consegui perceber as suas palavras, pois, quase naquele mesmo instante, ela tirou as mãos do meu rosto. Como eu imaginei, aquela era a pior sensação que eu poderia sentir. Meu corpo não aguentaria sustentar algo tão pesado quanto a minha existência sem toda aquela energia dentro de mim.

O sorriso não tinha deixado o seu rosto, e ele foi a última coisa que eu vi antes de desabar, no chão do meu quarto, sem saber se voltaria a acordar algum dia.
_______________________________________________________________________________    

Abri os olhos sem entender exatamente o que estava acontecendo. Meu quarto estava cheio de pessoas e minha mãe chorava abraçada ao meu pai. Um homem velho tocava meu rosto, meu pescoço e utilizava uns instrumentos estranhos para, aparentemente, sentir algo dentro de mim.

Ele suspirou pesadamente quando me viu abrir os olhos. O alívio transparecia em seu olhar. Vários murmúrios começaram a se espalhar entre aquelas pessoas e, quando percebi, minha mãe já estava estirada em minha cama, me abraçando e espalhando novas lágrimas, dessa vez, em cima de mim.

- Minha querida! – Ela mal conseguia falar. Se não estivesse tão perto, não entenderia sequer uma palavra que estava deixando os seus lábios. – O que aconteceu? Eu tive tanto medo que você nunca mais acordasse.

Eu não entendi a sua pergunta e não me lembrava direito do que tinha acontecido. Olhei para a janela e minha cortina estava aberta. Eu me lembrava de ter levantado e ido até a janela, mas o dia já estava claro. Agora estava um breu do lado de fora.

Empurrei minha mãe para o lado e fui em direção a janela. Minhas pernas ficaram levemente bambas, mas consegui manter o equilíbrio. Todos ali pareciam me seguir de perto. Olhei pela janela e centenas de carruagens estavam paradas. Todas belas e requintadas. Eram os nobres que haviam chegado para o meu baile.

O meu baile! Como poderia ter me esquecido? Hoje era o meu grande dia e eu ainda não estava pronta. Sequer tinha me preparado para aquele momento. Como aquilo poderia ter acontecido?

Eu não conseguia entender como tinha passado todo o dia dormindo, até que me lembrei de algo. Me virei abruptamente, olhando para os rostos de todos ali presentes. Comecei a ofegar, apenas de lembrar do que tinha acontecido. Mas, será que aquilo tinha realmente acontecido? Será que foi um sonho causado por algo que me fez dormir todo o dia? Eu não sabia o que pensar, mas o aperto em meu coração me dizia que tudo aquilo não era obra da minha imaginação.

Um desespero que eu nunca havia sentido começou a se instalar dentro de mim. Aquela sensação era destruidora. Eu nunca senti algo tão intenso, algo tão ruim, que como princesa não pudesse resolver. Tudo o que acontecia em minha vida era remediável. Bastavam algumas ordens para que tudo ficasse como eu desejasse. Mas, pela primeira vez em toda a minha vida, eu não sabia o que fazer.

Minha mãe se aproximou, provavelmente notando o desespero em meu rosto. Eu não queira que ela me tocasse. Eu não queria que ninguém mais me tocasse. Aquela mulher me tocou e agora eu estava me sentindo daquela forma.

- Calma, querida. – Minha mãe ergueu a mão em direção ao meu rosto. Eu não queria que ela me tocasse, eu sentia que não deveria deixar que ela me tocasse. – Vai ficar tudo bem.

O desespero cresceu como uma chama se inflando em meu peito. Como uma última alternativa para que ela não me tocasse, levantei minha própria mão, para barrar a sua. Durante o meu movimento, eu senti uma brisa acompanhar a minha mão, muito mais forte do que o normal. Aquela sensação maravilhosa voltou a me aquecer por um momento. Quase fechei os olhos, apenas para poder guardar aquela sensação dentro de mim, mas um grito de terror me fez voltar a realidade.

Minha mãe tinha se jogado para trás e estava caída logo a minha frente, onde meu pai a amparava. Ela segurava sua mão junto ao peito como se algo estivesse errado. Meu pai pediu para ela soltar a mão e todos suspiraram com medo e perplexidade, desviando seus olhares da mão de minha mãe para o meu rosto petrificado.

Havia um corte enorme em sua mão. Exatamente a mão que tinha tentado tocar o meu rosto. O sangue havia começado a escorrer, manchado o seu vestido e o chão do meu quarto. Olhei para minhas próprias mãos e elas tremiam, assim como o resto do meu corpo.  Não sabia como aquilo tinha acontecido.

- Mãe... – Eu me aproximei, para tentar entender o que estava havendo, mas ela gritou apavorada, o que me fez recuar. O olhar de meu pai me cortava ao meio, e, mesmo enquanto se levantava, não deixou de me encarar em nenhum momento.

- Quem é você? – Ele perguntou, e eu não consegui entender sua pergunta. – O que fez com a minha filha?

Ele gritou a última pergunta, o que me fez recuar mais um passo. Eu senti o batente da janela em minhas costas e as lágrimas transbordando em meus olhos.

- Papai, sou eu. – Mal conseguia articular minhas palavras. – Sou a Cecília, a princesa. Sua filha.

- Você não é minha filha. – Ele ajudou minha mãe a se levantar e foi em direção a porta. Eu pude ver os guardas de prontidão do outro lado. – Mas vai confessar o que fez com ela, sua amaldiçoada.

Amaldiçoada? Eu não era uma daquelas mulheres amaldiçoadas. Como meu pai poderia dizer algo assim? Como ele podia não ver que eu estava ali, bem à sua frente?

Eu queria seguir meus pais, mas, assim que eles saíram do quarto, os guardas entraram. Nenhuma reverência ou pedido de desculpas foi feito. Eles simplesmente invadiram o quarto da princesa sem nenhuma cerimônia, por ordens do Rei.

Por ordens do rei, por ordens de meu próprio pai.

Aquilo não poderia estar acontecendo. Eles se aproximavam cada vez mais, mas com cautela. O medo era evidente em seus olhos. Eu estava acostumada a ver meus serviçais com o olhar demonstrando medo, mas não com aquela intensidade. Eles tinham medo de que, o que quer que tenha acontecido com a minha mãe, acontecesse com eles também.

Eu não era uma amaldiçoada. Era a princesa, a filha do Rei, futura herdeira daquele castelo. Meu medo começava a se transformar em frustração e raiva.

- Parem imediatamente! O que pensam que vocês estão fazendo? Eu sou a princesa. Não ousem dar mais nenhum passo.

Mas nenhuma das minhas palavras pareciam estar sendo ouvidas. Eles continuavam avançando, apesar do medo os deixar cada vez mais lentos. Meus gritos só serviram para causar um tremor a mais em suas ações, mas eles estavam dispostos a seguir em frente.

Eu sabia exatamente qual era o destino de uma amaldiçoada. Meu corpo se agitou só de pensar no que poderia acontecer. Eu não era uma daquelas mulheres. Eu era a princesa, a filha do rei. Mas eles não iriam me ouvir. Eu teria que provar que estava falando a verdade.

Mas, se eles me pegassem, seria tarde demais.

A passagem até a porta estava completamente intransponível. Havia guardas e empregados por todos os lados. Eu me afastei o máximo que pude, mas só havia a janela atrás de mim.

Olhei disfarçadamente, tentando medir a altura. Estava no segundo andar, poderia me machucar. Mas nada me machucaria mais do que o destino que estaria me esperando caso eles me pegassem.

Nunca fui de pensar muito em meus atos, mas nunca tive tanto medo de algo antes. Tentei agir sem pensar novamente. Pensar só me faria ser pega.

Girei o corpo e, tentando não pensar no que poderia acontecer,
passei uma perna por cima da janela,
ouvi o grito de um dos guardas
e pulei.

PARTE 3
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A Princesa dos Ventos (Parte 1)

| 22 agosto 2015 | 8 comentários:
Nunca havia me sentido tanto uma princesa como naquele momento. Eu estava em um pedestal, rodeada de pessoas me servindo e me bajulando. Mas ninguém precisava dizer que eu estava linda, uma verdadeira princesa. Eu conseguia ver no grande espelho bem a minha frente. Mal podia esperar pelo grande dia, o meu grande dia. O baile em minha homenagem, onde todos os nobres me veriam vestida daquela forma em toda a minha glória...

- Ai. – Não pude deixar de gritar após ser espetada por alguma daquelas criadas inúteis. Olhei uma por uma até achar a culpada. – Como ousa me furar com essa agulha? – Minha mãe dizia que eu não devia levantar a voz para falar com os criados, mas, diante da raiva que eu estava sentindo naquele momento, aquilo era quase impossível. – Como você ousa acabar com o meu momento dessa forma?

Porque isso era exatamente o que ela tinha feito. Eu estava me sentindo no paraíso, vestida lindamente para que as criadas fizessem os últimos ajustes no meu vestido. Agora, no mínimo ele estaria arruinado, sujo do meu próprio sangue, no lugar onde meu ferimento latejava.

Eu olhei para verificar o estrago, e realmente não podia enxergar a mancha, ainda. Tinha certeza que esse fato era mais pela quantidade de camadas que meu vestido possuía do que pelo ferimento, que eu tinha certeza que era profundo, eu podia sentir.

Olhei novamente para o espelho e a única coisa que eu podia enxergar era minha expressão de raiva. Todas as minhas criadas se afastaram me dando mais espaço. Analisando novamente, aquele vestido não era tão bonito assim e estava arruinado agora.

Sem me importar em ser cuidadosa, comecei a arrancar aquela coisa do meu corpo. Ele não era mais digno do meu grande dia. Algumas costuras se rasgaram, apenas para comprovar como eu estava certa. As criadas se afastaram ainda mais, mas eu realmente não precisava de ajuda. Quando terminei de jogar aqueles trapos velhos no chão, me virei novamente para o espelho. Era possível ver, perto da minha cintura, um ponto vermelho, onde aquela criatura havia me espetado. Eu ainda não estava acreditando no tamanho da sua audácia.

Fui em direção a culpada, sem hesitar. Peguei os trapos, que um dia foram o meu vestido de baile, e comecei a bater nela com eles. Não iria fazer isso com as minhas próprias mãos, de maneira alguma, eu era uma princesa.

A criada ainda teve a audácia de cobrir a cabeça com as mãos. Eu já ia mandá-la retirar as mãos, quando minha mãe entrou no quarto.

- O que está acontecendo aqui? Por que você está nesses trajes? – Ela perguntou, me vendo apenas com minha roupa de baixo, mas logo viu o que estava em minhas mãos. – O que aconteceu com o seu vestido?

Ela parecia tão desesperada quanto eu, e foi quando finalmente percebi a situação que me encontrava. Meu grande baile era em alguns dias e eu não tinha absolutamente nada a altura para usar. Aquilo era um desastre.

Sem aguentar nem mais um minuto, corri diretamente para os seus braços e comecei a chorar.

- Mamãe... – Era difícil segurar o que eu estava sentindo, mesmo na frente da criadagem. – Elas são umas inúteis, destruíram o meu vestido. Agora, eu terei que ir vestindo trapos para o meu próprio baile.

- Está tudo bem, minha querida. – Ela disse passando as mãos em meu cabelo. – Nós vamos dar um jeito. Eu vou mandar chamarem a melhor costureira do Reino, assim você terá o mais lindo dos vestidos pronto para o seu baile de 17 anos.

- Sério, mamãe? – Eu perguntei, levantando a cabeça para olhar em seus olhos. Aquele era o momento mais importante da minha vida. Todos os nobres de todos os cantos do planeta estariam presentes apenas para me verem. Eu teria que estar perfeita.

- É claro que sim. Tudo pela minha princesinha. – Ela completou, secando os meus olhos e apertando a minha bochecha. Eu finalmente pude esboçar um sorriso depois de todo aquele desastre.

- Todas vocês, saiam. – Ela gritou para aquelas costureiras incompetentes.

Eu não pude deixar de olhar cada uma delas para gravar os seus rostos. Apesar das cabeças abaixadas, eu sabia que elas podiam sentir meu olhar de superioridade. Elas não eram ninguém, e nunca mais costurariam sequer um saco de batatas depois do que aconteceu aqui se espalhasse.

A última a sair era exatamente a que havia me espetado com a sua agulha. Eu estava pensando o que faria para puni-la um pouco mais, antes que ela finalmente fosse embora, quando ela me olhou nos olhos. Diferente das outras, ela realmente teve coragem de me olhar firmemente. Eu senti um calafrio percorrer todo o meu corpo e não consegui me mexer. Tive vontade de correr novamente para os braços da minha mãe, para que ela me protegesse daquilo. Aquele olhar, intenso e ameaçador, me fazia sentir um medo que eu nunca senti.

Só percebi o quão paralisada eu estava quando ela deixou o meu quarto. Soltei a respiração como se tivesse passado horas embaixo da água.  Sentia todo o meu corpo tremer e tive que me sentar. Minha mãe veio rapidamente para o meu lado, mas eu não conseguia entender nenhuma palavra que saia de seus lábios. Eu percebia a sua expressão aflita, mas estava apavorada demais para conseguir me mover.

Aquele olhar tinha me afetado, muito, mas eu tinha certeza de ter ouvido algo quando ela saiu. Alguma coisa aparentemente sussurrada em meu ouvido, ou colocada diretamente dentro da minha mente, porque eu tinha certeza que aquela mulher não tinha mexido os lábios.

- Isso é apenas o começo.

E algo dentro de mim soube imediatamente o quanto suas palavras eram verdadeiras.

PARTE 2
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